sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Conhecimento e educação na pós-modernidade

João Manuel Ribeiro e Helena DamiãoImagens 

A tradição metafísica ocidental oferece, no dizer de Searle (1999), um conjunto de princípios básicos que nos permitem sustentar o valor e a verdade do conhecimento contra as tentativas pós-modernas de os desvalorizar, e mesmo, de os negar. Assim, é necessário sustentar que a realidade existe independentemente das representações humanas, contra a perspectiva de que tudo são representações da realidade e como tal, a realidade é sempre e só a realidade apreendida e/ou construída pelo sujeito.É preciso também reconhecer que a linguagem possibilita a comunicação ao nível do significado e não apenas ao nível do significante, isto é, o que se comunica tem por norma uma relação com objectos e estados de coisas cuja existência é independente da linguagem e até do emissor e do receptor da mesma.É preciso reclamar, ainda, que a aquilo que designamos por verdade procura traduzir com precisão as representações: “as afirmações procuram descrever como são as coisas no mundo, cuja existência é independente da afirmação, e a afirmação será verdadeira ou falsa em função delas no mundo serem realmente como ela diz que são”(Searle, 1999, 10).Deste conjunto de princípios, o referido autor retira uma conclusão, a nosso ver, fundamental para inferir o valor do conhecimento: “os padrões intelectuais (…) são critérios de excelência e realização intelectuais objectiva e inter-subjectivamente válidos” (Searle, 1999, 15). Não nos cumpre, nesta reflexão, discutir todos os aspectos implicados nesta conclusão, mas não podemos deixar de afirmar que negar a verdade do valor intrínseco do conhecimento produz um conjunto de consequências educativas susbstanciais, de entre as quais destacamos as seguintes (v.g. Castillo, 1992; Dennett, 1993; Lipovetsky, 1988; Nozick, 1981; Searle, 1999):- a educação formal tende a tornar-se medíocre e, de algum modo, paradoxal, porque tudo vale e nada vale; porque tudo é verdade e nada é verdade;- o valor do conhecimento não se afere segundo citérios gnoseológicos e de verificabilidade, suscitadora de argumentação e de provas, mas obedece a critérios de ordem emocional e vivencial; - deixa de se considerar o valor intrínseco do conhecimento para sobrevalorizar o seu valor instrumental, ou seja, só se ensina e só se aprende o que tem utilidade imediata e interesse para e no quotidiano dos sujeitos; - o conhecimento com características universalizantes e abstracto é desvalorizado face a conhecimentos regionais e concretos, relativos ao contexto social, cultural, étnico dos sujeitos;- a complexidade torna-se o paradigma educativo fundamental, com a inerente opacidade de linguagem, de âmbitos e de finalidades; - é elogiada a espontaneidade supostamente criadora, não directiva, ao ritmo do bem-estar dos alunos, com o risco da dispersão em detrimento da concentração, do temporário em vez do voluntário; - a intencionalidade educativa desloca-se para a periferia da vocação escolar e, sobretudo, põe-se ao serviço das dinâmicas sociais culturais e económicas; - opera-se uma transferência do domínio das ideias, da razão, da objectividade para o das experiências significativas, com o consequente discurso parcial e despretensioso assente numa matriz intimista, narcisista, subjectivista; - a apresentação dos conteúdos, para serem aceites e reconhecidos, têm de se apresentar de forma inovadora, mediática, agradável e significativa para os alunos, confundindo-se, assim, o pensamento com o lúdico; - a escola vê-se obrigada a inter-agir com as tendências e modos de organização social vigentes, ganhando sentido em função das respostas que encontra face às exigências da economia e do mercado de trabalho; - a pedagogia é eminentemente inter e multicultural, numa tentativa de articular os processos educativos com uma sociedade marcada pela pluralidade radical de modelos, de opções de vida individuais e grupais;- as metodologias são de matriz sócio-construtivista, etnológica, regionalista, não sendo determinadas pela investigação disponível sobre a validade das mesmas, nem pelo educador, mas pelo educando enquadrado sempre no seu contexto social, cultural e geográfico. Neste panorama, cria-se um círculo vicioso entre o conhecimento e a educação, que empobrece tanto um como outro, pois o conhecimento:- deixa de ser um conhecimento a longo prazo, para o futuro, para ser um conhecimento imediato, para as questões e problemas do presente; - aparece fragmentado, desarticulado e pouco sistemático, porque não se centra na procura dos fundamentos mas na tecnologia e na praxis e, ainda, porque se centra na mudança e na inovação e, como tal, é variado, multifocal e polissémico;- centra-se nos educandos e na individualidade de cada, nos seus gostos e interesses, perdendo o seu carácter totalizante e inserindo-se apenas e só na esfera do pessoal;- não precisa de ser fundamentado, basta que seja reconhecido como útil e empático, não se aceitando o pensamento como da ordem da razão mas, antes, da ordem da emoção.


Referências Bibliográficas
- Searle, J. R. (1999). Racionalidade e realismo. Disputatio, 7, 3-25.
- Castillo, E. G. (1992). Postmodernidad: valores y educación. Filosofía de la educación hoy - axilogía y educación. In: Actas del Congreso Internacional de Filosofía de la Educación (pp. 349-371). Madrid: UNED.- Dennett, D. C. (1993). Fé na Verdade. Disputatio, 3, 1-19.
- Lipovetsky, G. (1988). A era do vazio. Ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Lisboa: Relógio d’Água. 
- Nozick, R. (1981). Philosophical Explanations. London: Clarendon Press.

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