sábado, 14 de setembro de 2013

ESCOLHA DA PROFISSÃO E TRAJETÓRIAS DE VIDA DO PROFESSOR

Alexandro Muhlstedt

RESUMO
Este trabalho é a primeira parte de um conjunto de estudos sobre profissionalidade e identidade docente realizada no Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE. Tem por objetivo compreender como se dá o processo de inserção do sujeito à profissão docente, levando em consideração as circunstâncias, os contextos de vida e as primeiras aproximações com a atividade docente. Parte-se do princípio de que a ação pedagógica do professor se origina de fontes sociais diversas, como, por exemplo, sua história de vida e escolar e como referencial a abordagem do ciclo de vida profissional dos professores. Optou-se por utilizar o relato escrito dos professores, por meio da técnica do grupo focal composto por professores da rede estadual de ensino de Curitiba, no ano de 2013. A pesquisa revelou que os motivos e interesses pela docência surgiram na infância; por influência familiar; pela necessidade financeira e também por circunstâncias do momento em que viviam. Ao iniciar a atividade pedagógica em sala de aula, esta proporcionou aos sujeitos um gosto pelo ensino e um despertar de vínculo que foi amadurecendo. E isto, levou-os a uma busca pelo aprimoramento de seu ato de ensinar.
Palavras-chaves: escolha profissional; história docente; formação de professor; rede estadual; ensino.

Introdução
“A maneira como cada um de nós ensina 
está directamente dependente 
daquilo que somos como pessoa quando exercemos o ensino. [...] 
É impossível separar o eu profissional do eu pessoal”.
António Nóvoa (1995)

Vários autores contemporâneos vêm se debruçando sobre a análise das vidas e práticas de professores como forma de compreensão da realidade escolar. A profissão do professor tem se destacado nos aspectos de discussão entre estudiosos, pesquisadores, Poder Público e entre os próprios professores que ao longo dos anos percebem a evolução de sua profissão.
Este trabalho, que é a primeira parte de um conjunto de estudos sobre a profissionalidade e as identidades docentes, buscando compreender a construção, os limites e as possibilidades da prática do professor reflexivo, realizado no Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE# – tem por objetivo compreender como se dá o processo de inserção do sujeito à profissão docente, levando em consideração as circunstâncias, os contextos de vida e as primeiras aproximações com a atividade docente.
Trabalho com a hipótese que considera o professor como sujeito, em sua ação docente, que se constrói ao longo de sua trajetória profissional e de vida. Arroyo (2011) mostra claramente a mistura entre a profissão e a vida pessoal “(...) ser professoras e professores faz parte de nossa vida pessoal. É o outro em nós.” (p. 27)
Instiga-me o fato de que muitos professores conseguem, mesmo diante da falta de condições e de cenários complexos e difíceis, realizar o processo de ensino aprendizagem de modo sério, crítico e reflexivo. E essa prática diz respeito aos conhecimentos adquiridos na escolarização básica, nos cursos de Licenciatura, nos cursos de formação, mas também pela identidade profissional forjada pelo interesse e pelo desejo em ser professor. E este interesse, nascido de modo pessoal, constitui bases para a prática pedagógica ao longo da carreira do professor.
Para alcançar o objetivo definido optei pelo estudo das histórias de vida de professores da rede estadual, em escola de Curitiba.
Com isso, concretizei a primeira parte do Projeto de Intervenção Pedagógica do PDE, utilizando como hipótese que a ação pedagógica do professor se origina de fontes sociais diversas, como, por exemplo, sua história de vida e escolar (TARDIF, 2005) e como referencial a abordagem do ciclo de vida profissional dos professores (HUBERMANN, 2000).
O trabalho de Hubermann detém-se sobre a escolha do curso de licenciatura e a fase de entrada na carreira docente. E é justamente as razões que levaram os sujeitos a escolherem ou entrarem na profissão que serviu de motivação para a realização deste.


Breve discussão teórica

O professor ocupa, na sociedade contemporânea, pelo elevado número, um lugar de destaque, sendo um dos mais importantes grupos ocupacionais e uma das principais “peças” da economia (TARDIFF E LESSARD, 2012). Porém, pela constante desvalorização, vem sofrendo um histórico processo de desvalorização, desqualificação e desprestígio social (MAIOLI, 2004).
Levando em consideração esses aspectos, vidas, práticas e histórias de professores têm-se configurado como importantes temas das análises contemporâneas (HUBERMAN, 2000; NÓVOA, 2000; PENIN, 1989; TARDIF, 2005, 2012). As pesquisas nesta área, incluindo o ciclo de vida profissional (HUBERMAN, apud NÓVOA, 2000), vêm ganhando relevo científico importante, especialmente, em um momento em que a produção historiográfica valoriza, sobretudo, o exame das especificidades e as singularidades locais e pessoais, seguindo as tendências de metodologia e práticas da história oral. E isso contribui para a compreensão, em proporções maiores, das várias realidades educacionais e, em menor escala, das cotidianidades da escola.
Dito isto, compreende-se a importância de dar voz aos professores (GOODSON, apud NÓVOA, 2000), conhecendo mais a história de sua formação e desvelando as razões pelas quais tornaram-se profissionais docentes.
Antes de mais nada, é importante salientar que ao se tornar professor, o sujeito já tem todo um conjunto de experiências como aluno (TARDIF E RAYMOND, 2000), na qual vivenciou inúmeras atividades com diversos tipos e diferentes práticas pedagógicas de professor. Sendo a grande maioria dos professores da rede estadual oriundos dos cursos de licenciatura das instituições de ensino superior, a fase de transição de aluno a professor constitui uma importante etapa do desenvolvimento profissional. É comum nesse período o sentimento de insegurança, medo e de despreparado profissional, geralmente relacionado, entre outros fatores, ao distanciamento entre a teoria vivenciada nos cursos de formação e o dia a dia da cultura escolar, é o choque de realidade (VEENMAN, 1988). Trata-se, portanto de uma passagem complexa, de sentimentos ambíguos, de grandes desafios e aprendizagens sobre si mesmo e sobre o que é ser professor.
Ao falarmos de estudos que abordam o desenvolvimento profissional docente, particularmente o ciclo de vida profissional dos professores, uma referência básica são os trabalhos desenvolvidos por Huberman (apud NÓVOA, 2000). Esse pesquisador realizou um estudo com a intenção de organizar a carreira docente em etapas buscando nelas tendências gerais.
O modelo é composto por seqüências ou ciclos subdivididos em etapas ou fases da vida, as quais a maioria dos professores costuma atravessar. A primeira delas é a ‘entrada na carreira’ seguida de uma fase denominada de ‘estabilização’. Após essa fase, os professores chegam ao ‘meio da carreira’ composta pelas etapas ‘diversificação’, ‘pôr-se em questão’ e ‘serenidade’ chegando ao fim da carreira caracterizada por Huberman (apud NÓVOA, 2000) de ‘desinvestimento’. No presente trabalho vamos nos restringir à primeira etapa: ‘a entrada na carreira’.
Esta fase, de acordo com os estudos de Hubermann - entrada na carreira - vai da introdução à carreira até os 3 anos de docência. É a fase da “sobrevivência” e da “descoberta”.
A sobrevivência - implica no manejo do que tem sido chamado de “choque de realidade”, advindo do confronto inicial com a complexidade da situação profissional. É a fase do tatear constante, da preocupação consigo mesmo (“Vou dar conta disso?”), da administração da distância entre o ideal e o real da cotidianidade da sala de aula, do desafio de fazer face, simultaneamente, à relação pedagógica e à transmissão do conteúdo, da dúvida entre as oscilações nas relações (com os alunos), das dificuldades com os alunos que criam problemas, das dificuldades com material didático inadequado, da insegurança com a metodologia, entre outros.
A descoberta - traduz o entusiasmo inicial, a exaltação por sentir-se integrante de um corpo profissional, por estar, finalmente em uma situação de responsabilidade, por sentir-se incorporado ao mundo adulto e pela satisfação que representa a exploração de um novo marco social que representa a escola para o professor novato.
Assim, esses dois aspectos iniciais na carreira do novo professor são vividas paralelamente e, segundo Huberman (apud NÓVOA, 2000), pode ocorrer de um se impor sobre o outro ao longo da carreira docente. É por isso que, com relação a esses aspectos, vemos vários perfis de professores tanto iniciantes como já experientes, que vão desde entusiastas até frustrados. Neste sentido, Gatti (2003, p. 192), observa que as posturas e ações dos professores são constituídas num processo ao mesmo tempo social e intersubjetivo, que se desenvolve ao longo da vida nas relações grupais e comunitárias, delimitadas pelas condições do contexto sócio-político-cultural mais amplo, e é nessas interações que “se gestam as concepções de educação, de modos de ser, que se constituem em representações e valores que filtram os conhecimentos que lhes chegam”.
Tardif e Raymond (2000) destacam a importância da escolarização inicial na construção dessas representações. Segundo os autores, antes de começarem a trabalhar, os professores já passaram longos anos imersos na escola e nesse processo de socialização escolar construíram uma bagagem de conhecimentos que tem grande permanência no tempo, atravessando, sem mudanças substanciais, os processos de formação inicial.
Ao recorrer à memória dos professores que já atuam a algum tempo na docência, tentando fazer o levantamento de suas primeiras vivências em sala de aula, torna-se comum notar a simbiose entre a vida pessoal e profissional. Penso que não é possível separar o “eu pessoal” do “eu profissional”, principalmente numa atividade laboral em que as relações sociais são centrais. Nóvoa (2000) afirma que a vida do profissional é, antes de qualquer coisa, a vida da pessoa que trabalha como professor. Por isso, a prática pedagógica inclui o sujeito e suas singularidades.
É possível compreender este fato, recorrendo-se a Tardif (2012), que concebe o saber docente em sentido amplo, englobando os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes docentes, ou seja, aquilo que é comumente chamado de saber (conhecimentos científicos e didático-pedagógicos para a prática), saber-fazer (relacionado à gestão da sala de aula, ou seja, à dimensão prática), saber-ser (relacionado à atitude do professor).
Neste trabalho, optei por explorar as razões de escolha da profissão por professores que atuam em escola estadual de Curitiba que já possuem certa experiência no ensino, bem como conhecer os primeiros contatos destes na atividade de ensino.
Para a concretização desta investigação adotei como metodologia aquela que reconstitui a história de vida vinculada aos fatos ligados à docência.

Procedimentos metodológicos

Tendo em vista o propósito de investigar a escolha pela profissão docente, buscando compreender as razões e motivações dessa escolha pelos sujeitos, bem como suas primeiras aproximações com o campo do ensino, optou-se por utilizar o relato escrito dos professores, por meio da técnica do grupo focal.
Através dessa técnica foi possível reunir relatos de sujeitos que têm vivência com o tema a ser discutido e que partilham alguns traços em comum e, ao mesmo tempo, com variações que permitem opiniões diferentes e experiências diversas (GATTI, 2005).
Num primeiro momento, com a permissão da equipe gestora e pedagógica da escola, apresentei, em uma reunião pedagógica no mês de junho de 2013, o objetivo do estudo e solicitei a participação espontânea dos professores. Informei que enviaria todo o conjunto de procedimentos via correio eletrônico - e-mail - e que a intenção seria traçar um panorama sobre a escolha profissional, baseada na história daqueles que decidissem participar.
Nesta etapa, os professores foram incitados a escrever suas memórias sobre o momento em que escolheram o curso superior e como aconteceram os primeiros contatos como docentes na escola. Após recebimento desses relatos, tracei um panorama geral das razões que levaram os sujeitos à profissão docente.
Num segundo momento, formulei, a partir dos relatos, uma questão síntese, a qual apliquei a um grupo de professores em outra escola por conta da realização da semana pedagógica# ocorrida em julho de 2013.
A participação espontânea dos docentes (enviando os relatos de suas memórias e respondendo ao questionário) foi decisiva para compreender algumas questões sobre a docência e formular questionamentos sobre os limites e as possibilidades da ação pedagógica do professor na escola. A partir deste material, também foi possível estabelecer novos questionamentos sobre a profissão docente.

Resultados

Da análise dos e-mails recebidos, destaquei algumas questões pertinentes que ajudam a compreender as relações constituintes entre os sujeitos e o processo de tornar-se professor.
Referindo-se à questão “como se tornou professor?”, os professores recuperaram a trajetória que os levou à docência. Para alguns professores, a identificação com a docência vem da infância, como no relato que segue:

“Minha história começa quando eu tinha apenas 11 anos de idade quando uma professora de Ciências pediu aos alunos fazerem uma maquete do sistema solar. a partir daí comecei a ter interesse em Astronomia” (Professor 1).

“Optei pelo curso pelo fato de me identificar com a disciplina desde o Ensino Fundamental” (Professor 2).

Nos relatos surgem imagens idealizadas e marcadas pela memória afetiva, experiências vividas na infância que permanecem como fortes referências nas formas de ser e agir na profissão. São mencionados também os os professores-modelo, pessoas cujas características e atitudes marcaram a memória afetiva dos participantes. Tardif e Raymond (2000, p. 221) relatam pesquisas biográficas que identificam essas fontes de influências como referências importantes na construção do papel de professor e dos esquemas de ação e de interpretação que orientam as práticas docentes, destacando que tais esquemas, em grande parte implícitos e fortemente marcados pela dimensão afetiva, “[...] resistem ao exame crítico durante a formação inicial e perduram muito além dos primeiros anos de atividade docente”.

“Conheci a docência e muitos exemplos de professores que são apaixonados em ser docentes. Comecei a me espelhar neles e até hoje estou nesta labuta da vida” (Professor 1).

“Sempre fui educado no sentido de valorizar a profissão docente. Lembro do quanto admirava e ainda admiro muitos dos meus professores. Para mim esta profissão significa que ainda podemos construir uma sociedade mais justa, menos desigual, enfim, mais humana” (Professor 2).

A entrada no universo do ensino superior, em diferentes momentos, aparece como opção ou simplesmente como uma circunstância movida pelos contextos vividos pelos sujeitos, bem como pela aprovação no concurso vestibular.

“Prestei vestibular e na época poderia se inscrever para dois cursos. Fiz para o mesmo curso em licenciatura e bacharelado. Passei em licenciatura. Mesmo que tivesse passado no bacharelado não poderia fazer, pois o curso era matutino e como não residia na cidade seria impossível estudar, pois nossa situação financeira estava difícil. Então comecei o curso de licenciatura. Morava em outra cidade e trabalhava durante o dia. Às 17h pegava o ônibus dos estudantes e voltava pra casa à 00h30, isto quando a viagem era tranqüila, pois se acontecia acidentes ou o ônibus quebrava aí chegava bem mais tarde. O curso foi muito difícil no começo, pois nada sabia do conteúdo e ainda sofri preconceito na universidade por parte de alguns professores, mas venci” (Professor 1).

“Cursei Licenciatura Plena. Optei pelo curso pelo fato de me identificar com a disciplina e também pela vontade em ser professor de escola, preferencialmente escola pública” (Professor 2).

“Minha primeira opção seria ser Veterinária. Como não consegui passar, então fiz vestibular para curso de licenciatura e passei. Minha família tinha poucas posses, então logo entrei no mercado de trabalho, exercendo atividades da mesma área” (Professor 3).

As primeiras experiências vividas na escola, atuando como professor, aparecem como fatos marcantes na vida dos docentes. A organização da escola, sua localização e sua realidade emergem claramente no choque de realidade vivenciado.

“Tive a experiência de lecionar em uma aldeia indígena tanto para ensino médio quanto para jovens e adultos. Lecionar para índios não é fácil, pois a língua materna deles é o kaingang, e por este motivo tive muita dificuldade de comunicação” (Professor 1).

“Minhas primeiras experiências foram no estágio supervisionado, quando, em diversas oportunidades me deparei sozinho com os estudantes, sem a presença do professor das turmas. Foram marcantes pelo fato dos estudantes terem se identificado com o trabalho desenvolvido e também pela possibilidade de propor uma aula que fosse muito além das práticas esportivas apenas” (Professor 2).

“As primeiras escolas que eu trabalhei foram assustadoras: crianças muito pobres, doentes, a escola caindo aos pedaços... Eu pegava ônibus de linha e várias vezes quase fui assaltada... Obriguei-me a comprar um carrinho velho para facilitar minhas idas as várias escolas de periferia para completar o meu padrão” (Professor 3).


Mesmo em contextos difíceis nos quais, de acordo com a visão do professor, é complicado trabalhar, aparece a construção de um certo tipo de vínculo que extrapola a relação pedagógica. Há que se considerar as fortes contradições relativas ao “estar professor”, que oscilam entre satisfações e frustrações, entre opção e necessidade. Em que pese que nessa carreira, os que nela estão tenham justificativas para tanto, quer de natureza pessoal (amor por esse trabalho, pelas crianças, horário conveniente) e quer social (contribuir para o avanço social das comunidades), ente outras.

“No 4º ano do curso eu parei de estudar por dificuldades financeiras. Então, iniciei minha carreira docente e casei nesse ano também. Mudei para a cidade de localização da Universidade e pude continuar meus estudos, até terminar. No ano seguinte, comecei a lecionar naquela cidade e me apaixonei pela profissão” (Professora 1).

“Minha primeira experiência como docente efetivo foi quando atuei como professor em uma escola particular. Lá tive a oportunidade de ser orientado semanalmente por uma pedagoga, discutindo e melhorando a cada aula meu planejamento. Aprendi a planejar melhor as aulas” (Professor 2).

“[...] mas o que me foi estranho é que comecei  a me apaixonar por essas crianças carentes, lutei várias vezes por elas, passei por fatos que poderiam ficar na história” (Professor 3).

“Fui dar aula em uma escola onde tinha uma invasão e me apaixonei pela comunidade. Passava meus dias dentro da vila organizando campeonato, conseguindo cesta básica, entre outros.Um dia estava chegando na escola e vi caminhões da prefeitura, tratores, viaturas, ônibus para levar os moradores presos. Pensei:  ‘Meu Deus! Estão destruindo o meu local’. Comecei a pegar os doentes, criancinhas, velhos tudo o que eu podia e colocava dentro da escola para protege- los, enquanto seus pertences eram jogados em cima de caminhões. Quando acabou, parecia uma praça de guerra. Eu olhei para a Diretora e nos questionamos sobre o que nos iríamos fazer com aquele povo que estava dentro da escola sem ter onde morar” (Professora 3).

A “entrada” no sistema público, especialmente no estadual, nem sempre é fácil. Há relatos de que houve situação de mal-estar com os colegas e a direção, pelo fato de serem recém-chegados, menos experientes.

“Quando cheguei na escola, me foi deixado claro que deveria fazer o trabalho da forma deles. Gente nova ali, novas ideias, querendo renovar ou mudar não seria bem vinda. Eles não aceitariam [...] (Professor 3).

No entanto, há também relatos nos quais os professores expressam a boa receptividade, a confiança e a aposta em sua atividade pedagógica.

“Um fato marcante foi quando ingressei como professor do Estado. Fui convidado para trabalhar como professor PSS por uma professora que não conhecia meu trabalho e apostou em mim, talvez por perceber minha vontade de ser professor em escola. Naquele ano tive experiências fantásticas no colégio, sendo inclusive homenageado na formatura. Estes fatos me motivaram ainda mais a seguir me aperfeiçoando na carreira docente” (Professor 2).

Os sujeitos da pesquisa também foram questionados sobre o sentido de ser professor na atualidade. Interessante observar que a sua identidade pessoal está diretamente ligada a sua identidade profissional.

“Ser professora significa uma porta que você pode abrir para um futuro brilhante ou para um cemitério. Digo isso porque há muitos professores que não sabem o poder que tem nas mãos. Quando nós professores desmotivamos nossos alunos estamos abrindo uma porta da ruína para eles, que irão pegar outro caminho como as drogas. E sabemos que o caminho das drogas só leva a um lugar: o cemitério. Porém, quando acolhemos e incentivamos nossos alunos podemos mostrar um futuro diferente do que eles imaginam, algo de melhor para eles e para a família” (Professor 1).

“Embora perceba, de maneira até certo ponto generalizada, a desvalorização da carreira docente no país, ainda acredito no poder de transformação social não apenas pelo trabalho do professor, mas de todos que compõem a escola , por isso continuo professor. Também, pelo fato de gostar muito do que faço e saber que posso, até certo ponto, contribuir positivamente para a formação e vida dos estudantes” (Professor 2).
“Faço a minha parte o mais bem feito possível, e cabe a cada um de nós, professores, fazer a diferença na vida de nossos educandos” (Professor 1).

A partir da análise dos relatos dos professores, bem como das considerações dos mesmos sobre a profissão docente, foi possível realizar inferência sobre as razões que levaram os sujeitos à profissão docente. Essas razões são variadas pelo conjunto e diversidade de contextos vividos pelos sujeitos, e podem, em certo modo, explicar as opções em manter-se na profissão, que é objeto de investigação futura.
As principais razões percebidas nos relatos foram as seguintes:
· O sujeito tinha interesse ou propensão para realizar um curso de nível superior o qual não era ofertado na região onde residia. Assim, optou por um curso de licenciatura que se aproximava do seu campo de interesse.
· A família do sujeito era pobre, sem condições financeiras de custear o curso pretendido e, portanto, seguir a carreira de professor seria a possibilidade de melhorar as condições de vida.
· Há certa facilidade em conseguir o emprego de professor, afinal, os profissionais se aposentam, a população aumenta e as escolas necessitam de professores para existirem.
· O sujeito, desde que começou a pensar em qual profissão seguir, optou pela carreira docente por um interesse pessoal, sendo a profissão uma forma de realização pessoal.
· A família do sujeito é de professores e tornou-se foi inevitável seguir a carreira, mesmo sem haver imposição da mesma para fazer curso de licenciatura.
· O sujeito formou-se em outra área, que não a de docência, mas incluiu a formação pedagógica por gostar de ensinar.

A partir dessas constatações, elaborei um questionário, o qual apliquei a um grupo de 34 professores, de uma outra escola pública estadual. O objetivo foi conferir o percentual de razões em cada uma dessas constatações. O resultado pode ser visto no gráfico a seguir:

GRÁFICO 1: Razão pela qual se tornou professor

Nota-se que, para o grupo pesquisado, ser professor é fruto de uma escolha (40%), sendo que esta escolha se conecta a vivenciar a docência simultaneamente a uma outra profissão (18%).
A inexistência de cursos superiores na região de residência dos sujeitos e, pela impossibilidade de freqüentar tais cursos distantes de casa é uma questão que aparece como incentivadora para a escolha de curso de licenciatura (15%).
Questões relacionadas à família na qual existem sujeitos envolvidos na profissão docente (12%), ou mesmo às questões financeiras (9%) também acabam influenciando, em certo grau, a escolha da profissão.
Em menor escala, a percepção de que é fácil conseguir vaga como professor (6%) é uma razão que leva sujeitos à escolha da carreira.
Pode-se notar que as razões, de modo geral, como um projeto de vida e também profissional, são resultados de fatores extrínsecos e intrínsecos, que se combinam e interagem de diferentes formas. Isto quer dizer que, ao fazer a escolha do curso de licenciatura em instituição de ensino superior, o sujeito, tendo em vista suas circunstâncias de vida, é envolvido por aspectos situacionais e de sua formação, e, outros, como as perspectivas de empregabilidade, renda, taxa de retorno, status associado à carreira ou vocação, bem como identificação, autoconceito, interesses, habilidades, maturidade, valores, traços de personalidade e expectativas com relação ao futuro (GATTI, 2009).

Considerações finais

Este estudo, primeira parte da pesquisa empírica do Projeto de Intervenção Pedagógica do Programa de Desenvolvimento Educacional, revela que a escolha pela profissão docente, pelos sujeitos pesquisados, é marcada por múltiplas razões. Optar pela docência ou incluir a mesma como atividade profissional em sua trajetória de vida é sempre desafiante e carregada de incertezas. No entanto, a docência é uma profissão cujos sujeitos escolhem tendo já uma vasta experiência e opiniões como alunos. Assim, se tornar professor também passa pelo julgamento dos sujeitos dos processos de ensino enquanto aluno. E nesse contexto, a escolha e a atuação na profissão acabam sendo um misto de profissionalidade e vida pessoal.
Nesse contexto, compreender a trajetória pessoal do professor se torna uma maneira de compreender como ocorrem os processos de ensino no interior das salas de aula e, em maior escala, entender as relações pedagógicas de uma escola e, entender os processos de ensino, em nível educacional como um todo. Tendo em vista essa premissa é que este estudo direcionou-se em compreender as razões que levaram professores de escola estadual de Curitiba a optar pela profissão docente. Também para conhecer as suas primeiras experiências em sala de aula, com os alunos.
A pesquisa mostrou que os motivos e interesses pela docência surgiram na a infância; por influência familiar; pela necessidade financeira ou também por circunstâncias do momento em que viviam. Ao iniciar a atividade pedagógica em sala de aula, esta proporcionou aos sujeitos um gosto pelo ensino e um despertar de vínculo que foi amadurecendo. E isto, levou-os a uma busca pelo aprimoramento de seu ato de ensinar. Essas trajetórias, nas quais se envolvem vida pessoal e profissional, trazem aos sujeitos as contradições de fatores que motivam e outros que desestabilizam a sua escolha profissional. Mesmo assim, sentem-se realizados por fazerem parte de um grupo, terem sua identidade profissional definida e poderem atuar, ano após ano, com alunos que oferecem inúmeros desafios.
Como aparece nas pesquisas de Valle (2006) os professores, na sua maioria, se vêem como “agente de transformação social” e procuram orientar-se segundo algumas circunstâncias conjunturais, que combinam valores claramente privilegiados nas lógicas de integração e de profissionalização com valores relacionados, sobretudo, com o dever comunitário, o valor social. E é neste conjunto de vivências, que se constata o postulado por Tardif (2012), que concebe o saber docente em sentido amplo.
Os primeiros anos na docência, de acordo com as pesquisas de Huberman (2000) faz compreender como cada professor constrói a sua adequação interpessoal, com os seus alunos e com o controle na sala de aula. Assim, a entrada no ensino será marcada positiva ou negativamente, influenciando na construção de perfis que são caracterizados pela dominância, indiferença, serenidade ou frustração, conforme as várias situações de entrada na carreira: o tipo de motivação para a profissão; ter ou não experiência prévia e a atribuição de tarefas inapropriadas.
São inúmeros os outros aspectos a serem explorados e estudados, sendo que este trabalho se propôs a compreender, em primeira instância, os interesses e as razões pelas quais sujeitos escolheram a profissão docente. Um aspecto que se revelou importante nos relatos dos professores foi justamente que a profissão professor, por sua natureza, exige constante empenho no desenvolvimento profissional, sendo que as histórias pessoais e profissionais e a trajetória de cada um condicionam, por vezes, as suas necessidades individuais.
Embora a formação inicial na instituição de ensino superior seja de real importância e apontada como importante nesse processo, é na realização do trabalho docente que os saberes da profissão são compreendidos, mobilizados e ressignificados.
O contato inicial com situações de sala de aula fez com que o ‘choque de realidade’ fosse experimentado pelo professor iniciante, ao mesmo tempo em que o mesmo se sentia desafiado a “dar conta” dessa realidade e a reelaborar suas aprendizagens do curso de formação na licenciatura. Os professores vão demonstrando que os saberes que mobilizam em sua prática docente estão intimamente ligados ao saber de sua experiência, de sua vivência pessoal e à interlocução reflexiva que estabelecia e continua a estabelecer com os saberes acadêmicos. Nesse sentido, parece confirmar o que dizem Tardif e Raymond (2000) que o saber profissional está, de um certo modo, na confluência entre várias fontes de saberes.
E é nessa direção, de elaboração dos saberes docentes, que a segunda parte do trabalho do PDE irá debruçar-se.

Referências Bibliográficas

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______. BARRETO, E. S. S. Professores: aspectos e sua profissionalização, formação e valorização social. Relatório de pesquisa, DF: UNESCO, 2009.
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HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, A. Vida de professores. 2 ed. Porto: Porto, 2000. p. 31-46.
MAIOLI, E. E. C. O (dês)prestígio na profissão docente: o ser professor/a nas séries iniciais. Universidade Federal da Bahia. Dissertação de Mestrado, 2005. (mimeo)
PENIN, S. T. de S. Escola e cotidiano. São Paulo: Cortez, 1989.
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RAYMOND, D.; TARDIF, M. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Educação & Sociedade, Campinas, n.73, 2000. p. 209- 244
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VALLE, I. R. Carreira do magistério: uma escolha profissional deliberada? Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília. v. 87, n. 216, ago., 2006. p. 178-187
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